domingo, 12 de março de 2017

Crítica: São Jorge . 2017


Este é o retrato da crise que Marco Martins decidiu mostrar. O retrato dos pobres que ficaram ainda mais pobres, dos bairros que no linear da pobreza continuam a passar muitas vezes despercebidos. São Jorge é o reflexo das consequências da crise, que muitas vezes incitam ilegalidade, marginalidade, violência, criando a instabilidade social e emocional de um país. Nuno Lopes está grandioso e interpreta aqui um personagem triste e frustrado, vivendo a angustia presente em muitas famílias afectadas pelo monstro económico.

Com a chegada da troika a Portugal em 2011, o numero de endividamentos aumentou astronomicamente. O recorrer aos créditos fáceis passou a ser um dos recursos mais utilizados para tentar sobreviver à crise instalada. Posto isto, surgem inúmeras agências que compram dividas e fazem de tudo para conseguir o retorno das mesmas. Jorge (Nuno Lopes) é um pugilista que lida com a realidade do desemprego, vivendo num bairro social, o que perante a sociedade não facilita nada as coisas. Ao lidar com a possível ida do filho Nelson (David Semedo) e da ex-mulher Susana (Mariana Nunes) para o Brasil, Jorge vê-se obrigado a procurar trabalho como cobrador de dívidas numa dessas agências, deparando-se com realidades semelhantes à sua, de indivíduos que como ele, tentam todos os dias sobreviver a um país na banca rota, na esperança que o dia seguinte seja melhor.


É principalmente do trabalho de Nuno Lopes que resigna a força de São Jorge, não só pelo seu perfeito retrato de uma vida sofrida, de um futuro que não promete, de um país vincado pela austeridade, mas também pelo lado cruel e real da vida nos bairros sociais, onde as consequências da crise estão presentes através do lado documental do filme, onde constantemente presenciamos em conversas histórias e vivências de muitas daquelas que são as pessoais reais do tema. Na sua interpretação, estão presentes a dureza e ao mesmo tempo a fragilidade que o fazem tão perfeito. Se por um lado temos um pai extremoso, um homem que ama, temos o lado lutador e guerreiro de um homem que se dispõem a tentar de tudo para poder proporcionar uma melhor vida à sua família. A figura robusta, que foi fruto de meses de dedicação e difícil preparação, não esconde a amargura e a tristeza de um olhar, algo que só um grande actor como Nuno Lopes poderia conseguir alcançar. Apesar de previsível, o argumento vai permanecendo sempre assente numa atmosfera bastante misteriosa causando uma certa inquietude, também ela transmitida através da interessante cinematografia, onde alguns momentos são verdadeiramente poderosos de se ver. Os tons escuros, a falta de iluminação e os planos bastante fechados, querem também demonstrar a agonia e aperto perante a vida, onde a luta pela sobrevivência é uma constante.

São Jorge é o retrato rígido de um país endividado, onde pessoas reais lutam para sobreviver dia-a-dia, sem poder fazer grandes planos para o futuro.

Classificação final: 4 estrelas em 5.
Data de Estreia: 09.03.2017

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